
"Ai de Mim, se Eu não Anunciar o Evangelho!"I Cor.9,16
Aprendendo a ser Padre
23/02/2010 10:32
Eu estava nos primeiros meses da minha vida como sacerdote, residia na minha terra natal, sede da diocese. Trazia o coração cheio de alegria pelo cumprimento das promessas de Deus que me convidou para segui-lo. Em minha mente, os conceitos aprendidos na teologia estavam vívidos e bem definidos, eu era professor no seminário diocesano e embora não tivesse ainda assumido trabalhos paroquiais, sentia-me capaz de ‘transformar’ o mundo através do exercício do ministério.
Fui chamado a um hospital para visitar uma jovem mãe que tinha dado à luz no dia anterior. Entusiasmado, preparei também para visitar outros que porventura precisassem. Depois de abençoar mãe e filho recém-nascido, comecei a visitar os enfermos naquele hospital. Uma jovem veio ao meu encontro, ofegante pediu que eu fosse dizer umas palavras à sua mãe. “O médico nos disse que fez tudo o que era possível por ela”, afirmou a jovem. Tratava-se de uma idosa com câncer em estado terminal. Não imaginava que meu encontro com aquela cancerosa poderia ser para mim uma das mais importantes lições que aprenderia depois das aulas de teologia encerradas há tão pouco tempo.
“- Sua bênção, senhor padre!”, assim me disse aquela senhora de olhos fundos, pele pálida e rosto maltratado pela enfermidade. Sempre fiquei impressionado com o câncer, este mal corrói a pessoa de dentro para fora e o seu tratamento clínico faz o mesmo, de fora para dentro. Imaginei que o senhor me conduzira até ali para dar um grande apoio aquela senhora. Após a santa confissão e durante a santa unção percebi seus olhos lacrimejarem. Também fiquei comovido por contemplar as mãos de Jesus consolando uma pessoa prestes a partir deste mundo. Antes de sair e chamar novamente os parentes que estavam no quarto, disse-lhe:
“Hoje o Senhor Jesus lhe visitou, agradeça-O e não fique triste! Considero-me uma cancerosa muito feliz, senhor padre!”, respondeu. Fiquei impressionado com a resposta e ao perceber meu espanto, acrescentou: “Nunca fui tão feliz depois do câncer!”. “Sofri 37 anos um casamento marcado por traições e alcoolismo, meu marido era um homem derrotado pelo vício e pelo pecado. Orei muito pedindo ao Senhor que o livrasse daquela vida. Depois que descobri essa doença em mim, percebi que meu marido ficou tão comovido que algo mudou dentro dele. Há alguns dias ele me pediu perdão por toda dor que me causou, mas já há muito tempo percebo em seus gestos que minha doença curou a dele. Meu casamento foi restaurado! Aquela jovem que foi chamá-lo, senhor padre, era uma menina perturbada por uma depressão terrível. Vivia fechada em seu quarto, não saía nem para se alimentar e chegou a tentar o suicídio várias vezes. Quantas vezes chorei com o rosário na mão, implorando um milagre por esta filha. O milagre aconteceu! Depois que comecei o tratamento do câncer, essa filha se recuperou repentinamente e passou a acompanhar-me de exame em exame, de hospital em hospital. Quando me sentia abatida, era ela que me fazia sorrir com histórias alegres e o testemunho do seu amor. O milagre da minha filha aconteceu através do meu câncer. Por fim, meu filho mais velho, casado há 15 anos, estava para se separar da esposa. Ele, em crise de fé, queria abandonar a Igreja Católica e sua esposa não concordava. Fiquei arrasada porque mesmo apesar de ter sofrido tanto com meu esposo, nunca aceitei a idéia de separação. Para não desrespeitar o espaço deles, fiquei calada e apenas orei. O que minhas palavras não disseram o câncer falou. Já fazem três meses que eles estão bem, e ambos vêm me visitar todos os dias, juntos rezamos o terço e meu filho renovou sua fé e respeito pela Igreja. O câncer veio na hora certa, na hora de restaurar minha família! Posso morrer em paz, pela bênção que o senhor me trouxe através dos sacramento, e pela alegria de ver minha família restaurada por Deus através dos meus sofrimentos”.
A Igreja através de meu bispo me ordenou padre. O seminário me formou através de duas faculdades e o acompanhamento dos formadores. Mas foi uma moribunda num leito de hospital que me ajudou a entender um pouco mais o que é ser padre. Estou prestes a celebrar 10 anos de sacerdócio. Tenho vivido muitas experiências difíceis e algumas delas muito duras. Quando me sobrevém algo muito difícil, lembro-me daquela senhora cancerosa que o Senhor chamou para a eternidade… Então compreendo que ser padre é também saber sofrer os revezes da vida para que outros tenham vida. Ser outro Cristo é aceitar o Calvário para que outros experimentem a Páscoa. Das muitas lições que ainda tenho que aprender, essa primeira me serviu para dar sentido a todo sacrifício que abracei para ver tanta gente feliz. Gente que aprendi a amar, olhando o amor de uma cancerosa que imitou Jesus.
Pe. Delton Filho
Comunidade Coração Fiel
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